Leia o texto e responda.
SOBRE CARTAS E CRATERAS
Ela deu-se conta do erro que cometera: de fato, as cartas eram muito importantes para ele, sempre falava nelas.
O que você salvaria se sua casa fosse desabar? Em situações emergenciais o paulistano geralmente tenta salvar documentos, dinheiro, joias, roupas e fotos. A vida é sempre o valor maior e sua manutenção, motivo de alívio. Diz Andreza de Souza, 23, moradora da rua Capri: “Eu queria pegar umas calcinhas, mas fiquei com vergonha do funcionário da Defesa Civil que me acompanhava. Ele me deu somente dois minutos, e só tinha tempo para levar minha escova de dentes, um edredom, duas calças jeans e uma blusa”.
-O que é que você levaria, se tivesse de abandonar sua casa às pressas? -perguntou o rapaz à namorada, depois de ler-lhe a notícia publicada na Folha.
Ela pensou um pouco.
-Acho que levaria a mesma coisa que esta moça: escova de dentes, edredom, calças jeans, blusa… E calcinha: eu não teria vergonha do funcionário. Prefiro ficar sem a vergonha do que sem as calcinhas.
-Só isso? – disse ele. -Só isso, você levaria?
Ela pensou um pouco:
-Não. Você tem razão, estas coisas são importantes, mas não suficientes. Eu pegaria meus documentos: a identidade, a carteira de trabalho… pegaria também a única joia que tenho, aquele colar que mamãe me deixou. Seria o caso de apanhar alguma grana, claro, mas dinheiro você sabe que eu não tenho, mesmo porque estou desempregada.
Ele ficou algum tempo em silêncio, e aí voltou à carga. E desta vez sua voz soava estranha, hostil mesmo:
-É isso, então? É isso que você levaria, se a sua casa estivesse a ponto de desabar?
Ela se deu conta de que alguma coisa estava incomodando o namorado, alguma coisa séria. Já pressentindo um bate-boca, perguntou em que, afinal, ele estava pensando. O que ela deveria ter mencionado, que não mencionara? O que havia esquecido?
-As cartas -disse ele, e a irritação agora transparecia em seu tom de voz. As cartas de amor que lhe escrevi.
Ela deu-se conta do erro que cometera: de fato, as cartas eram muito importantes para ele, sempre falava nelas. Mas também ela agora estava irritada, e disposta a partir para o confronto.
-Verdade, esqueci as cartas. Mas tenho de lhe dizer uma coisa: não sei onde estão essas cartas, simplesmente não sei. Você me conhece, sabe que sou desorganizada.
Em dois minutos, não encontraria carta alguma. Provavelmente a casa desabaria, e eu morreria procurando. Você não havia de querer isso, certo? Você não quereria que eu morresse procurando essas suas cartas.
Ele agora estava pálido, pálido de ódio.
-Vou lhe dizer uma coisa -falou, por fim. -Se você não encontra minhas cartas, a razão é muito simples: você não me ama mais. E se você não me ama, a mim pouco importa o que iria lhe acontecer.
Levantou-se, e foi embora. Ela ficou pensando: há muitas crateras na vida, mas poucas são tão profundas quanto aquela em que o amor cai, quando desaba. Era isso que ela precisava dizer ao namorado. E decidiu que, naquele dia mesmo, lhe escreveria uma carta dizendo que, apesar das tragédias, a vida continua, e que, mesmo no fundo das crateras da vida, sempre resta uma esperança.
MOACYR SCLIAR – Folha de São Paulo
1. O texto “Sobre Cartas e Crateras” apresenta uma situação que aborda as escolhas e prioridades das pessoas diante de uma situação de emergência. Que situação é retratada pelo texto para gerar essa discussão?
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2. Qual é a finalidade principal do texto “Sobre Cartas e Crateras”?
a) Destacar a importância da comunicação interpessoal em um relacionamento.
b) Explorar a relevância das cartas de amor em um relacionamento.
c) Refletir sobre as prioridades das pessoas em situações de emergência.
d) Transmitir a ideia de que a esperança pode ser encontrada mesmo nas dificuldades da vida.
3. O texto “Sobre Cartas e Crateras” é uma crônica, especificamente, crônica-diálogo, já que se aproxima muito das conversas espontâneas do dia a dia. Sendo assim, são encontradas nesse texto outras características muito comuns desse gênero, EXCETO
a) linguagem simples e descontraída.
b) poucos personagens envolvidos.
c) estruturas textuais informativas.
d) tempo cronológico determinado.
4. Qual o tipo de discurso predominantemente empregado nas falas dos personagens nessa crônica (direto, indireto ou indireto livre)?
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5. Qual é o tema central do texto?
a) A importância das cartas de amor em um relacionamento.
b) A necessidade de priorizar a vida em situações de emergência.
c) A importância da comunicação interpessoal em um relacionamento.
d) A existência de boas expectativas em meio às aflições.
6. O que a personagem decide levar quando questionada pelo namorado?
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7. Como a personagem justifica sua falta de preocupação com as cartas?
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8. Releia os trechos abaixo e depois responda:
Trecho 1:
“Eu pegaria meus documentos: a identidade, a carteira de trabalho…”
Trecho 2:
“E calcinha: eu não teria vergonha do funcionário.”
Os empregos dos dois pontos nos trechos acima servem, respectivamente, para
a) indicar a fala do personagem e apresentar uma enumeração.
b) realizar uma explicação e marcar um aposto enumerativo.
c) fazer um esclarecimento e delimitar um vocativo na oração.
d) apresentar uma citação e indicar a falar de um personagem.
9. De onde partiu o tema da discussão realizada pelo casal de namorados?
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10. Há uma opinião em:
a) “As cartas – disse ele, e a irritação agora transparecia em seu tom de voz.”
b) “A vida é sempre o valor maior e sua manutenção, motivo de alívio.”
c) “Ela se deu conta de que alguma coisa estava incomodando o namorado…”
d) “Ele ficou algum tempo em silêncio, e aí voltou à carga.”
11. Intencionalmente feito pelo autor do texto Moacyr Scliar, o que surpreende o leitor nessa crônica?
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12. Nessa crônica, NÃO está presente
a) o conflito de perspectivas e expectativas.
b) a reflexão sobre o valor emocional de cartas.
c) o desejo de vingança sobre uma atitude pessoal.
d) a comunicação e compreensão interpessoal.
13. A alternativa cuja expressão sublinhada do trecho está corretamente indicada pelo seu sentido nos parênteses está em:
a) “… abandonar sua casa às pressas.” (Modo)
b) “… mas fiquei com vergonha…” (Adição)
c) “Já pressentindo um bate-boca…” (Intensidade)
d) “… duas calças jeans e uma blusa…” (Concessão)
14. Localize no texto a que ou a quem as palavras grifadas estão se referindo.
a) “… mas dinheiro você sabe que eu não tenho…”
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b) “… da Defesa Civil que me acompanhava.”
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c) “… sempre falava nelas.”
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d) “Era isso que ela precisava…”
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15. Escreva uma palavra do texto que significa:
a) Contenda discursiva: ______________
b) Tom agressivo: ________________
c) Cobertura de cama: ______________
d) Buraco (sentido figurado) _____________